200 anniversary of Alfred Russel Wallace

Para assinalar os 200 anos do nascimento do grande cientista, Alfred Russel Wallace, transcreve-se em baixo um trecho do posfácio que Miguel Araújo escreveu para a edição de “A Origem das Espécies“, de Charles Darwin, publicada pelo jornal Expresso e que refere a importância do tandem Darwin-Wallace. Wallace, além de ser co-autor da teoria da evolução por seleção natural, foi pai da biogeografia evolutiva tendo proporcionado o primeiro exercício de classificação das regiões zoogeográficas do planeta Terra.

“À luz do conhecimento atual, é difícil imaginarmos o espanto que a diversidade de formas de vida em diferentes regiões terá causado aos exploradores europeus que se aventuraram para lá das suas fronteiras, entre os séculos XVI e XIX. Habituados estavam a uma natureza monótona, comparada ao espetáculo de cor, forma e cheiro que encontraram nas regiões equatoriais. A noção teológica de uma natureza ao serviço da Homem, não fazia sentido nos confins da floresta tropical húmida onde dominava uma diversidade de animais e plantas extraordinária e onde a nossa espécie, quando presente, era pouco mais que uma nota de rodapé.

Darwin beneficiava de séculos de narrativas de exploradores e teve a oportunidade de as enriquecer com observações próprias. Alexander von Humboldt, por exemplo, 32 anos antes que Darwin embarcara a bordo do Beagle, zarpou em direção à América do Sul com o objetivo de “descobrir como é que as forças da natureza atuam umas sobre as outras e como é que o ambiente geográfico influencia os animais e plantas”. Humboldt procurava descobrir as Leis que regem a “unidade da natureza” e as observações que criteriosamente obteve ajudaram-nos a entender a influência do clima sobre a distribuição das plantas. Sem embargo, foi a Darwin e Alfred Russel Wallace a quem coube articular a Lei geral que explica grande parte do funcionamento do mundo vivo e que permitiria interpretar as diferenças de “cor, forma e cheiro” que tanto pasmo e admiração causaram aos exploradores europeus.

(…)

Darwin não foi o primeiro a colocar a pergunta, nem a desconfiar que algum mecanismo de modificação estaria na base das diferenças entre organismos. Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon, por exemplo, foi um dos primeiros intelectuais modernos a desenvolver o conceito de que as espécies não seriam imutáveis e teriam descendência ancestral. Jean-Baptiste-Pierre-Antoine de Monet, cavaleiro de Lamarck, aprofundou estes conceitos afirmando que todos os animais, incluindo os humanos, teriam evoluído a partir de outras espécies. Segundo Lamarck, a evolução processava-se por duas Leis. A primeira Lei—do uso e do desuso—postulava que os órgãos mais usados eram desenvolvidos e que os menos usados eram atrofiados. A segunda Lei—da herança de características adquiridas—propunha que as características adquiridas durante a vida de um indivíduo seriam passadas à descendência. O próprio avô de Darwin, Erasmus Darwin, famoso excêntrico e intelectual da época, defendia teses próximas de Lamarck.
Aceitar que as espécies não eram imutáveis era essencial para compreender a origem da diversidade de formas de vida, mas sem uma Lei geral, um mecanismo que explicasse esta diversificação, seria difícil consolidar o conceito e ampliar a sua utilidade. A formulação encontrada foi tão importante quanto subtil. Não são as características dos mais fortes, ou dos mais bem-adaptados, como pretendia Lamarck, mas a inferior capacidade adaptativa—ou insucesso reprodutivo—dos mais fracos, que determinam o curso da evolução.

Darwin cogitou sobre a teoria da evolução durante duas décadas antes de a dar a conhecer publicamente. Oriundo de boas famílias, a consequência de uma má receção pública do seu trabalho não lhe era indiferente. Daí a preocupação de publicar um extenso tratado, impecavelmente fundamentado sobre a origem da diferenciação das espécies. O que Darwin não contava é que Wallace, um naturalista da classe média, que vivia de coletar espécimes exóticos para os vender a colecionadores privados e museus de história natural, chegasse a idêntica conclusão enquanto padecia de febres altas, possivelmente provocadas por Malaria, em Fevereiro de 1858, numa humilde palhota da remota ilha de Gilolo nas ilhas Molucas. Foi aí, entre febres intermitentes e matutando sobre o famoso Essay on the Principle of Population de Thomas Malthus, nomeadamente sobre a tese de que as espécies tendem a reproduzir-se em excesso face à capacidade de carga dos ecossistemas, sendo limitados pela competição, doenças e fome, que Wallace concluiu que a sobrevivência do mais forte, por remoção do mais fraco, seria o mecanismo que faltava para explicar a evolução das espécies. Poucas horas depois do seu momento de eureka, Wallace inicia a escrita da teoria que viria a mudar o mundo. Dois dias depois tinha o ensaio completo e envia-o a Darwin.

Darwin, que também tinha sido influenciado pela leitura dos textos de Malthus, 20 anos antes, em Setembro de 1838, recebe a missiva de Wallace com assombro. Por essa altura, tinha cerca de 250 mil páginas escritas e continuava a pensar que estava a meio caminho de concluir o grande livro da sua vida. Aconselhado pelos seus amigos, o geólogo Charles Lyell e o botânico Joseph Hooker, decidem publicar o artigo de Wallace conjuntamente com alguns excertos dos manuscritos de Darwin, numa conferência da Linnean Society de Londres. Desta forma anunciava-se a descoberta da teoria da evolução por seleção natural, de forma independente e paralela, por Darwin e Wallace.

Tal como acontece noutros domínios, as ideias surgem, frequentemente, em simultâneo e de forma independente porque os factos e os conceitos que os sustentam são, eles próprios, datados. Darwin, que continuava receoso das reações que as suas ideias poderiam provocar, compreendeu que não podia protelar a publicação do seu trabalho: “O meu trabalho está agora quase terminado; mas, como vou demorar ainda mais dois ou três anos a concluí-lo, e como a minha saúde já viu melhores dias, aconselharam-me a publicar este resumo”. Em pouco mais de 10 meses, escreve uma versão sintética do seu livro que intitula de “Abstract of an Essay on the Origin of Species and Varieties through Natural Selection”. O editor convence Darwin a retirar a palavra “resumo” do título do livro, mas, ainda assim, o título da primeira edição “On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life”, viria a ser condensado em futuras edições. Nesta versão resumida do seu trabalho, perderam-se as fontes e notas que Darwin considerava necessárias para justificar as suas ideias. Não obstante, o que se perdeu em densidade, ganhou-se em clareza e síntese. Características necessárias para popularizar uma nova ideia.