Artigo publicado no semanário Expresso, Crónica do Convidado, Alma Grande, dia 25 de Maio de 2019.

É difícil compreender por que razão alguns pretendem partidarizar a problemática ambiental. Será que uma parte do espectro político não se preocupa com a qualidade do ar que respiramos e da água que bebemos e o outro sim?

Mesmo assumindo como legítima a postura de quem nega a gravidade da crise ambiental—uma concessão retórica pois não existe qualquer evidência que apoie esta negação—o custo da inação decorrente de uma desvalorização equivocada dos riscos ambientais é comprovadamente superior ao custo da ação face a uma eventual percepção desproporcionada dos riscos ambientais.

Tal como o peixe que vive no aquário, o planeta em que vivemos é a nossa casa. Porventura a única casa, já que não há outro planeta habitável que nos seja acessível caso as nossas experiências de desenvolvimento falhem. Em caso de dúvida, impõe-se uma estrita interpretação do principio da precaução que substitua os aventureirismos que nos conduziram ao ponto onde chegámos.

A geração dos meus filhos não perdoaria a geração dos seus pais e dos seus avós, pelo diletantismo com que estes trataram as questões do ambiente no passado e continuam a tratar, atualmente, apesar da informação disponível, dos múltiplos avisos proferidos e dos compromissos públicos assumidos, por representantes de governos, em diversos fóruns internacionais.

Em última análise, o que está em causa é a viabilidade da vida. Não da vida em abstrato—essa continuará sem humanidade—mas da vida que coevoluiu connosco em virtude ou apesar das mudanças ambientais globais do passado.

Recorrendo à dicotomia sugerida pelo paleontólogo norte-americano, David Raup, as espécies desaparecem por “bad luck” (fenómenos imprevisíveis que causam perdas drásticas de efetivos populacionais—por exemplo, colisões com asteroides, emergência de doenças infecto-contagiosas) ou “bad genes” (incapacidade de adaptação às mudanças ambientais, uma constante na História do planeta mas cujo motor principal decorre atualmente da sobre-exploração de recursos e das mudanças climáticas globais motivadas pela maciça transferência de CO2 do subsolo para a atmosfera).

À esquerda e direita do espectro político opor-se-ão, como cabe esperar, soluções diferentes para a crise ambiental. O esgrimir de soluções alternativas para gerir o presente e perspetivar um futuro faz parte do saudável jogo democrático.

Acresce que o debate honesto e informado sobre soluções para a crise ambiental é mais que bem vindo. Estamos longe de possuir um receituário credível para solucionar o desequilíbrio entre emissão e absorção de carbono, ou para promover a adaptação humana e dos ecossistemas às alterações climáticas, ou para reduzir os conflitos entre os interesses económicos da espécie humana e os interesses de outros organismos, muitos dos quais dependemos indiretamente para a nossa própria sobrevivência, ou para garantir a equidade na distribuição dos recursos entre membros da nossa geração sem comprometer o direito das próximas gerações a terem uma vida digna e um futuro promissor.

Uns proporão a internalização de custos e impactes ambientais nos mecanismos de formulação de preço, incrementando custos de matérias primas, de energia e de serviços, na expectativa de estes permitam a correção de falhas de mercado e modulem a sustentabilidade das escolhas racionais efetuadas pelos consumidores.

Outros, porventura menos crentes na racionalidade das escolhas dos consumidores e na eficácia da “mão invisível” do mercado, proporão mecanismos de regulação públicas, assentes na elaboração de legislação restritiva de atividades poluentes e dilapidadoras de recursos e/ou adoção de políticas fiscais indutoras de comportamentos virtuosos com o ambiente.

Fora do âmbito de discussão ideológica, as soluções serão certamente complexas, técnicas e multifacetadas e é improvável que se consiga reverter o caminho da destruição natural do planeta sem medidas drásticas, “fora da caixa”, como aconteceu no episódio “a longa noite”, da oitava temporada da Guerra de Tronos, onde a morte cavalgava sobre a vida de forma inexorável sem se perspetivar qualquer inversão da tendência “dentro da caixa”.

Como participante ativo em estudos que diagnosticam a saúde planetária e como observador atendo do debate político e tecnológico sobre soluções que reforcem a sustentabilidade das nossas atividades, constato que temos um elefante na sala que ninguém ousa encarar. A população humana continua a crescer e contrariamente à expectativa de alguns o consumo per capita também.

Os ganhos de eficiência da adoção de novas tecnologias poderão eventualmente compensar parte deste crescimento mas não se espera que que sejam suficientes para reverter o incremento de consumo de matérias primas e de energia a manterem-se as tendências demográficas e comportamentais.

Há que ter coragem para ir à raiz dos problemas, procurar soluções simultaneamente inovadoras e pragmáticas. A primeira condição para que este debate se possa realizar a nível político é aceitar que o ambiente não deverá ser arma de arremesso da pequena táctica partidária. Fora das margens políticas já existe consenso sobre o diagnóstico geral. Faltará reconhecer o caráter de emergência da crise ambiental ambiental e atuar em consonância.

Segundo, é fundamental aprofundar o debate sobre soluções. Não é de esperar que haja consenso sobre todas as matérias mas é importante identificar eixos centrais da política de ambiente e garantir contundência e persistência nas políticas, para além dos ciclos eleitorais.

Terceiro, há que reconhecer a transversalidade da política de ambiente. O ambiente não se aborda eficazmente por segmentação de políticas em unidades estanques. Se o caráter sistémico das finanças, na economia real, justifica a centralidade do ministério que tutela esta pasta, o caráter sistémico do ambiente como suporte de todas as atividades humanas, atuais e futuras, obriga a elevar esta pasta ao nível de coordenação intersetorial de políticas.

Observamos estupefactos as diatribes dos atuais dirigentes dos Estados Unidos e do Brasil que escolhem combater ideologicamente a ilustração para justificar decisões indefensáveis, como a exploração de petróleo no Alasca ou a destruição acelerada da maior floresta tropical do mundo. Não podemos deixar de constatar que estes indivíduos escolheram estar do lado errado da História. Mas não chega mostrar contrariedade. É necessário colocar as ações onde está a boca e traçar caminhos alternativos que se imponham pela força dos factos.