The full text here. The article is the journalist’s summary of a written interview that I am copying here for reference.

1) Disse, em entrevista ao Expresso aquando da atribuição do Prémio Pessoa, “o afagar do ego é bom e serve de estímulo para continuar a trabalhar, mas também há o perigo de se perder a clarividência”. Em que medida o Prémio Pessoa lhe serviu de estímulo? Sentiu que a perda de clarividência fosse uma tentação?

A vaidade é um sentimento humano e ninguém é imune à vaidade. Mas estar consciente de que a vaidade não é um sentimento que traga clarividência ajuda a combater os seus efeitos negativos. Pessoalmente, não sendo imune aos defeitos e virtudes que afligem qualquer pessoa, considero que tenho uma bagagem filosófica e um conhecimento de mim próprio e dos objetivos que persigo suficientemente sólidos para gerir a exposição mediática de um prémio, como o Prémio Pessoa, sem que isso afete a essência de quem sou e do que faço.

2) Já viveu em vários países e diz ser um cidadão do mundo. Continua a sonhar apenas em português, como afirmou na mesma entrevista ao Expresso?

Nos últimos 25 anos tenho estado diariamente exposto a três línguas (Português, Castelhano e Inglês) tendo, por três anos, estado exposto a uma quarta língua: o Francês. O Francês é a única língua que consegue intrometer-se nos meus sonhos que são, regra geral, falados em Português. Estas intromissões foram limitadas a momentos de grande emersão nesta língua e não deixa de ser interessante constatar o seu poder dado que é a língua a que menos me exponho no dia a dia. Será, certamente, devido ao facto de ter sido a minha primeira língua. Só comecei usar o Português a partir dos 5 anos. Antes, falava exclusivamente Francês.

3) Quando lhe surgiu o interesse pela biodiversidade?

Digamos que a biodiversidade me interessou mesmo antes do termo ter sido inventado. Antes chamava-se história natural ou simplesmente natureza. É um interesse que me acompanha desde tenra idade.  Há quem advogue que o interesse pelo mundo natural, apelidado de biofilia pelo famoso biólogo e escritor Edward Wilson, é inato à condição humana e que poderá, ou não, ser desenvolvido na infância de modo a tornar-se central aos interesses do adulto. No meu caso, fui fortemente influenciado pelo meu avô materno, através do relato das suas experiências em África e pelo meu pai, que me introduziu à observação da natureza nas Ardenas Belgas, frequentemente por via dos insetos.

4) Ainda se considera um obcecado pela ciência?

Santiago Ramón y Cajal, o único Prémio Nobel da ciência Espanhola, dizia que a mais importante qualidade de um investigador é a sua obsessão pelo objeto de estudo. Ele referia-se a vários colegas de Liceu, melhor sucedidos que ele em matérias escolares, que posteriormente entraram a vida profissional sem nunca se destacar. Socialmente, o carácter obsessivo não é valorizado mas há certos domínios profissionais em que é essencial. É praticamente impossível alguém se  destacar num trabalho científico sem um grau de dedicação a roçar o obsessivo. Um investigador que não esteja disponível para este nível de investimento pessoal fará melhor escolher outra profissão pois os resultados e o impacto da sua investigação durarão anos, por vezes décadas, em materializar-se e existe o risco de que nunca se materializem.

Um CEO de uma grande empresa, por exemplo, carece de outras qualidades: pensamento estratégico, capacidade de atender vários assuntos ao mesmo tempo, capacidade de mobilizar recursos humanos, capacidade de integração de diferentes variáveis importantes para a sua atividade, etc. O investigador pode ter algumas destas qualidades mas o que o distingue é a capacidade de trabalhar, anos a fio, num tema sem que tenha uma gratificação imediata pelo seu desempenho. Não é para todos. Naturalmente, com o passar dos anos, alguns investigadores acabam por ser tornar CEOs dos seus laboratórios. Para este tipo de atividade precisam de outras qualidades e nem todos os investigadores bem sucedidos se transformam em bons dirigentes de outros investigadores e vice versa.

5) Durante o seu percurso profissional alguma vez sentiu que seria possível desenvolver o seu trabalho apenas em Portugal?

É possível fazer investigação em Portugal. A prová-lo estão milhares de colegas que o fazem diariamente. É uma questão de escolha. A realidade, no entanto, é que salvo um par de casos pontuais, Portugal não oferece condições competitivas para se desenvolver uma carreira de investigação. Se a prioridade de um individuo que queira desenvolver uma carreira de investigação for de caráter profissional, a opção mais racional é emigrar. Se os objetivos profissionais forem condicionados por fatores pessoais e estes tiverem um peso preponderante, a decisão mais racional pode passar ficar no País. O que é importante entender é que durante a vida de um investigador a mobilidade tende a reduzir-se com a idade. Portanto, a chave para captar talento é apostar na juventude pois esta é mais propensa a deslocar-se por motivos profissionais.

6) Consegue imaginar-se apenas num país, preso a uma realidade única?

A maldição que acompanha o viajante é nunca conseguir reunir num só local todas os elementos que aprendeu a apreciar nos sítios por onde passou. Não há local que reúna os encantos dos campos do Alentejo, das “highlands” escocesas, das serranias do maciço central Ibérico, ou das metrópoles de Bruxelas, Lisboa, Londres, Copenhaga e Madrid, ou dos enclaves medievais de Évora, Montpellier e Oxford. Cada um destes locais tem um charme único, oferece rotinas vivenciais distintas. É inevitável que com ao avançar da idade, as deslocações sejam cada vez mais curtas. Como diz Jacques Brel, numa das suas canções (Les Vieux), no final vai-se da cama à janela, depois da cama ao sofá e depois da cama à cama. Portanto, encaro com naturalidade os diferentes tempos da vida mas temos a sorte de viver numa época onde a circulação é facilitada e o sedentarismo profissional mitigado.

7) A Cátedra Rui Nabeiro, que dirige na Universidade de Évora, encontra-se em que ponto? Considera que é a prova de que pode acontecer um casamento perfeito entre público e privado?

A Cátedra Rui Nabeiro, financiada pela Delta Cafés, foi a primeira cátedra de investigação privada em Portugal e foi financiada por um período de 5 anos. Outras Cátedras privadas sucederam-se e tiveram semelhante sorte tendo cessado após o primeiro quinquénio de financiamento. Há ainda outras cátedras que possuem um caderno de encargos que se confunde com uma prestação de serviços. Parece-me que existe, por parte de alguns financiadores, um equívoco sobre o que são as cátedras: programas de investigação amplos, de qualidade, que, regra geral, sobrevivem aos seus titulares e que criam uma marca, uma visão, associada aos seus fundadores. É uma tradição anglo-saxónica que, até ver, tem sido pobremente implementada em Portugal.

8) A ciência em Portugal ainda é um parente pobre?

Sem dúvida. Gastamos cerca de 1.3% do PIB em I+D+I sendo que a meta acordada, no âmbito do tratado de Lisboa, é de 3%. A Alemanha, Dinamarca e Finlândia ultrapassaram essa meta pois sabem que a liderança económica depende da sua liderança na criação de conhecimento e de inovação. Tivemos um aumento substancial de investimento entre 2004 e 2009 e desde então temos vindo a divergir das metas que acordámos para nós próprios. Um dos grandes problemas nacionais é o fraco investimento privado, que decorre, por um lado, da tipologia empresarial portuguesa fortemente ancorada em pequenas e médias empresas e por outro, de um fraco uso da política fiscal para incentivar a captação de investimento privado em I+D+I.

8a) É portanto uma questão de financiamento?

Não. O problema é mais amplo e nem sempre se cinge ao financiamento. Temos uma burocracia paralisante que tem vindo a sofisticar-se no sentido de aumentar a eficácia paralisante. Temos uma dissociação entre política científica e política para as universidades que cria um sistema dual indigno para quem faça ciência sem um vínculo laboral com as universidades e que desresponsabiliza do processo de criação de conhecimento quem tenha um vínculo laboral docente com as universidades. Temos um sistema de financiamento público para a investigação imprevisível, em constante mutação, que injustamente traslada para os investigadores os riscos de decisões que impliquem um compromisso de longo prazo. Não temos cultura, nem mecanismos de incentivo, para a captação e retenção de talento jovem. Continuamos, qual sociedade tradicional e iniciática, embevecidos com o sucesso dos mais seniores ao mesmo tempo que somos incapazes de criar condições para a inovação e sucesso científico dos jovens investigadores.

Em suma, a política científica em Portugal premeia a paciência e o amor ao País. Mas não premeia a criatividade, a inovação, a ousadia e ambição que são os ingredientes essenciais para catapultar a ciência Portuguesa para o próximo nível de desenvolvimento científico e preparar o País para os desafios que se avizinham.

9) É vice-diretor do Museu de Ciências Naturais de Madrid. Quais os principais objetivos que gostaria de colocar em prática?

Aceitei o desafio com um objetivo muito claro: consolidar o Museu de Ciências Naturais de Madrid como centro de formação científica em biodiversidade.  Os museus de história natural são conhecidos por três pilares. Historicamente desempenharam um papel central no desenvolvimento científico. Um dos lemas do Museu de História Natural de Londres, por exemplo, é ter sido o berço da Biologia como ciência. O Museu de Ciências Naturais de Madrid é, ainda hoje, o maior centro de investigação público espanhol (e Ibérico) na áreas dos recursos naturais. Por outro lado, através das suas coleções biológicas, estes museus constituem-se como bibliotecas da vida. É onde se guardam os espécimes classificados. Sem essas coleções, nunca conseguiríamos catalogar a vida do planeta e se perdêssemos as coleções perderíamos a evidência de que estas espécies existem ou existiram. Finalmente, são locais de divulgação científica, através das suas exposições.

Mas há um quarto pilar, menos conhecido, que é o da formação de jovens investigadores. Estes museus formam milhares de investigadores, todos os anos, em todo o mundo mas frequentemente não têm mecanismos e estruturas internas para enquadrar estes estudantes de forma eficaz. O meu objetivo é iniciar o processo de renovação interno, que já ocorreu noutros museus, e que resultará num reforço de enquadramento dos estudantes e das atividades de formação científica e profissional realizadas no Museu.

10) O facto de ser um respeitado cientista fá-lo sentir mais pessimista em relação aos riscos de um desastre ambiental e climático?

Considero-me realista mas não pessimista. Creio que face à eminente catástrofe civilizacional e ambiental que estamos forjar, o pessimismo é a pior receita possível. Por outro lado, tenho sido defensor da ideia de que os cientistas devem manter um certo distanciamento entre o debate dos diagnósticos e o debate das soluções pois este último é, por um lado, domínio dos tecnólogos e por outro da política. Sei que é um distanciamento difícil, eu próprio tenho ultrapassado as fronteiras frequentemente. Mas é importante estarmos conscientes que quando um cientista, resultado da sua investigação, recorrendo ao método científico, fornece um diagnóstico determinado, está a atuar como cientista. Quando é inquirido sobre soluções, para abordar o diagnóstico, está a extravasar o âmbito da sua especialidade dando opiniões como cidadão informado. Se o mundo fosse dominado por pessoas de boa fé, não haveria problema em gerir esta dualidade com subtileza e “fair play”. Como tal não é o caso, a dualidade é frequentemente usada politicamente. De um lado procuram instrumentalizar o peso de opiniões pessoais pela credibilidade científica do mensageiro. Por outro, procuram descredibilizar a ciência por discordarem de opiniões pessoais do mensageiro. É um jogo perigoso que pode, no longo prazo, conduzir ao enfraquecimento ciência como auxiliar (nunca substituto) do processo de decisão política. É uma questão que me preocupa.