Miguel Bastos Araújo was charged by the Minister for the Environment and Climatic Action with the mission of leading a group of 5 scientists that will prepare strategic policy biodiversity documents to support the Portuguese Government through the EU Council Presidency between January and June 2021,  the Portuguese position in the COP15 on biodiversity, and the Portuguese internal strategy for biodiversity and ecosystem services in the horizon 2030.

The formal ceremony of presentation of the study can be visualised here.

Some news:

Público

Ambiente Magazine

Tribuna do Alentejo

Below the speech presented in the ceremony:

“Como dizia um famoso investigador, falar de biodiversidade é falar de números e diferença. Quanto maior o número de formas de vida e maior a diferença entre estas, maior a biodiversidade.
Nesta perspetiva, não há qualquer dúvida. O nosso desenvolvimento, tem conduzido a uma progressiva perda e simplificação da biodiversidade.
São várias as métricas que documentam este processo. O relatório Living Planet 2020, publicado há 5 dias, descreve tendências concluindo que, desde 1970, 68% das populações de vertebrados terrestres sofreram um decréscimo.
Nas águas doces, o decréscimo abarca 84% das populações.
Estas métricas não são surpreendentes. A população mundial tem aumentado à razão de mil milhões de almas por década.
Mil milhões era a população mundial no principio da revolução industrial. Hoje estamos a caminho dos 8 mil milhões.
75% da superfície terrestre não gelada encontra-se alterada por atividades humanas. Os oceanos encontram-se profundamente poluídos. Mais de 85% das zonas húmidas interiores e costeiras foram perdidas.
Há, no entanto, uma métrica que não consta deste relatório e que me parece particularmente informativa, porque nos coloca no centro da equação:
– A biomassa humana representa, hoje, 36% da biomassa dos mamíferos do planeta, sendo que 60% provém do gado, principalmente bovinos e suínos.
No que diz respeito a mamíferos, o planeta é dominado por vacas e porcos.
Combinando terra e mar, mais de 96% da biomassa de mamíferos ou é humanidade ou serve de alimento para a humanidade.
Não é, pois, de surpreender que o relatório Living Planet identifique a transformação de ecossistemas para produção agropecuária e a sobre-exploração pesqueira como as ameaças mais expressivas das últimas décadas, algo que as alterações climáticas irão exacerbar.
Ao falarmos de números e de diferença estamos a caracterizar biodiversidade e suas mudanças. Mas além da variação sobre quantidades importa compreender as consequências sobre o funcionamento dos ecossistemas.
Estima-se, por exemplo, que 90% da biodiversidade esteja no solo. Esta biodiversidade é responsável por gerir o ciclo de nutrientes que processa biomassa morta de modo a permitir a sua utilização pela biomassa viva e com isso viabilizar o crescimento das plantas, logo a fotossíntese.
Falar de biodiversidade é, portanto, falar de processos.
Processos que cumprem funções.
Funções que prestam serviços.
Sem biodiversidade, a atmosfera teria uma composição química inapropriada para a vida humana.
Não teríamos solo fértil, nem recursos alimentares para nos suster.
Nem teríamos tido a energia fóssil e não fóssil que nos permitiu existir como civilização.
A maior parte dos que estamos nesta sala, acompanhámos com entusiasmo a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que se realizou em 1992 no Rio de Janeiro.
Desde então fomos testemunhas de como as metas da Convenção para a Diversidade Biológica, foram sucessivamente reajustadas em virtude de evidentes fracassos na sua implementação.
Não são exceção as metas de Aichi que teriam sido alcançadas até ao final de 2020, não fosse o caso de não terem sido.
A revista científica “Nature”, num editorial de 20 de fevereiro de 2020, identificou três causas para este fracasso:
i. A complexidade das metas e a dificuldade de operacionalizar a sua medição no terreno;
ii. A inexistência de mecanismos de acompanhamento das metas a nível nacional;
iii. A dificuldade de harmonizar objetivos de valorização e conservação da biodiversidade com legítimas aspirações das pessoas a uma melhoria das suas condições de vida.
A primeira causa de fracasso, as múltiplas métricas, é um problema de comunicação. Naturalmente é mais fácil comunicar uma métrica, por exemplo redução de emissões de CO2, que comunicar múltiplas métricas refletindo números de populações, números de espécies extintas, por sua vez associados a dinâmicas não lineares sobre processos, funções e serviços prestados.
Mas qualquer que seja a métrica, os resultados tendem a coincidir:
Menos natureza = menos biodiversidade = menos serviços proporcionados pelos ecossistemas.
A segunda causa, relativa aos mecanismos de acompanhamento, é uma questão essencialmente política. Não existem limitações técnicas que inviabilizem uma adequada monitorização das medidas de gestão para a conservação da biodiversidade nos diferentes países.
A terceira causa, relativa à relação entre biodiversidade e economia, ou melhor, aos benefícios e prejuízos que as populações têm por estar em locais com forte restrições decorrentes de políticas de conservação, é uma questão complexa. Invariavelmente estão em causa incentivos e proibições cujo rácio dependerá de especificidades locais.
A Conferência das Partes das Nações Unidas, no âmbito da Convenção para a Diversidade Biológica (COP15), prevista para 2021, ambiciona resolver alguns dos óbices que bloquearam o progresso das metas de Aichi.
A União Europeia (UE), em particular, proporá um conjunto de medidas ambiciosas que emanam da Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030.
Portugal, que em janeiro de 2021 assumirá a Presidência rotativa da UE, ambiciona contribuir para este processo propondo um pacote de medidas que, a ter êxito, reverteria décadas de modesta liderança nacional nestes domínios.
É neste contexto que se insere o estudo “Biodiversidade 2030 – Contributos para a abordagem Portuguesa para o período pós-metas de Aichi” que tenho a honra e prazer de coordenar com o apoio de uma equipa multidisciplinar que inclui, como co-coordenadores, a Maria do Rosário Oliveira (ICS), a Isabel Sousa Pinto (U Porto), o Emanuel Gonçalves (Fundação Oceano Azul) e a Cristina Marta Pedroso (IST).
Não nos iludamos, a ambição de resolver a crise da biodiversidade implicará ações contundentes em três domínios:
Atuando sobre o território. Por exemplo, assegurando que uma área suficiente extensa do planeta é utilizada pela biodiversidade e para a biodiversidade e que a gestão dessas áreas é eficaz na prossecução destes objetivos. Vai nesta linha, aliás, objetivo da União Europeia de preservar 30% da superfície do planeta até 2030.
Atuando sobre a oferta. Por exemplo, criando mecanismos que facilitem a colocação no mercado de alimentos, fibra e energia sustentáveis. Algo que está no cerne da estratégia do prado ao prato e, de forma mais ampla, do programa “Green Deal” da União Europeia.
Atuando sobre a procura. Por exemplo, reduzindo o desperdício e contribuindo para alterar escolhas individuais que sejam elas próprias indutoras de comportamentos sustentáveis por parte dos agentes económicos.
Tendo em mente estes grandes domínios, o estudo que agora se inicia incidirá sobre cinco eixos:
Eixo 1 – Biodiversidade e Alterações Climáticas
Neste eixo irá propor-se um conjunto de medidas que permitam a introdução de políticas que promovam a adaptação da biodiversidade às alterações climáticas. Em particular, iremos propor uma rede de conectividade que facilite a adaptação climática de espécies entre áreas protegidas, rede natura 2000, reservas da biosfera e outras áreas classificadas.
Eixo 2 – Biodiversidade e Território
Eixo 3 – Biodiversidade e Águas Interiores e Costeiras
Nestes eixos faremos uma análise das políticas públicas tendo em conta a implementação de uma infraestrutura verde e azul, de caráter mais dinâmico, que contemple as necessidades de adaptação da biodiversidade às alterações climáticas no território terrestre, de águas interiores e costeiras de Portugal continental.
Eixo 4 – Biodiversidade e Oceanos
Neste eixo identificar-se-ão áreas prioritárias para a conservação marinha que permitam alcançar 30% de proteção em áreas marinhas protegidas. Procederemos igualmente à cartografia dos habitats marinhos prioritários que formem a infraestrutura azul da Zona Económica Exclusiva, pelo seu potencial de absorção de carbono.
Eixo 5 – Biodiversidade e Pessoas
Neste eixo desenvolver-se-á uma proposta para criação de um mecanismo de mercado, análogo ao mercado do carbono, que permita a remuneração dos serviços de ecossistemas e a ser implementado, numa primeira fase, em áreas da rede fundamental de conservação da natureza.
De uma forma geral, estes eixos pretendem:
i. Reforçar a Rede Fundamental de Conservação da Natureza através da introdução do conceito de gestão adaptativa, permitindo uma regular avaliação e atualização de medidas preconizadas no âmbito de planos de gestão para a biodiversidade;
ii. Viabilizar a Rede, ou melhor dizer reforçar a sua eficácia, por via do aprofundamento de mecanismos públicos e privados de remuneração de serviços de ecossistema;
iii. Consolidar a Rede e quando necessário ampliá-la, em linha com as metas da Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030, de modo a torná-la mais eficaz na prossecução dos objetivos de biodiversidade no presente e num futuro caracterizado por alterações climáticas.”